Código Aberto e Ciência Aberta na América Latina

Imagem de capa abstrata

Vetor criado por freepik - www.freepik.es

Autores: Laura Ación, Gonzalo Peña-Castellanos, Fernando Pérez

Traduzido para espanhol e português por Laurel Ascenzi e Melissa Black. Imagens por Julián Buede

Este post também está disponível em espanhol e inglês

Versão resumida em inglês no CZI Blog

Imagem de capa abstrata

Vetor criado por freepik - www.freepik.es

Contexto comunitário e cultural

Este post é uma versão ampliada das notas de um painel realizado durante a reunião da CZI sobre Essential Open Source Software for Science (EOSS) de 2021, com Laura Ación e Gonzalo Peña Castañeda, moderado por Fernando Pérez. Acrescentamos algum contexto adicional e cobrimos alguns tópicos que não pudemos abordar durante o painel devido a limitações de tempo. Tínhamos originalmente preparado estas notas antes do painel e sentimos que seria valioso compartilhá-las por completo.

Nossa motivação para este painel, a convite da equipe de Ciência Aberta da CZI, foi explorar vários aspectos dos processos e comunidades de desenvolvimento de código aberto e ciência aberta na América Latina, mais especificamente na Argentina e na Colômbia, que são os países onde temos experiência mais direta. Como outras áreas em ciência e tecnologia, o desenvolvimento de código aberto científico tende a ser dominado por atividades originadas na América do Norte e na Europa Ocidental. Mas para nós (oriundos dos dois países mencionados), sua verdadeira promessa é oferecer não apenas acesso mas também agência, como participantes e co-criadores de primeira classe, a pessoas de todas as nações.

Este é um tópico rico e complexo, que merece tanto discussão quanto estudo. Somos apenas três praticantes, por isso apresentamos estas idéias apenas como ponto de partida para uma conversa: nossa perspectiva se limita às fatias de nossos próprios países que conhecemos bem (a América Latina é um continente grande, rico e variado, com enorme diversidade cultural!) e não pretendemos generalizar. Mas esperamos que sirva para abrir a discussão sobre como podemos fazer do desenvolvimento do código aberto e da ciência aberta um esforço mais global, onde todas as culturas são verdadeiramente bem-vindas como iguais.

Imagem divisória abstrata

Vetor criado por freepik - www.freepik.es

A localização e o papel do inglês como língua de intercâmbio

Pergunta: Ambos abordaram a localização (em termos de idiomas) como uma ferramenta para ampliar o alcance da Ciência Aberta na América Latina. No entanto, a tradução é um processo trabalhoso e sabemos que os cientistas, em última análise, precisam ser fluentes em inglês. Poderiam discutir por que, apesar dessas questões, vocês ainda apoiam a necessidade de traduzir ferramentas e materiais do inglês para outros idiomas?

Laura: Porque, até que todos tenhamos tempo e dinheiro para aprender inglês, não vejo outra maneira de fazer ciência inclusiva. O mundo está perdendo de aprender uns com os outros massivamente porque, mesmo nestes dias, quando algumas pessoas estão indo ao espaço como turistas, ainda deixamos a língua ser uma barreira para aprender uns com os outros. Eu sei que considerar apenas o inglês como língua franca científica faz com que a humanidade perca enormes quantidades de conhecimento. Um exemplo: a interpretação linguística é acessível para conferências organizadas em países de alta renda. A interpretação linguística permitiria escolher alguns entre uma enorme quantidade de oradores novos, frescos e brilhantes para reuniões e eventos se estivéssemos mais abertos à interpretação para o inglês e à legendagem. Na América Latina, dependemos diariamente de legendagem de alta qualidade em espanhol ou português para assistir a filmes ou séries. A leitura de legendas é um hábito relativamente fácil de incorporar, com um enorme impacto para criar espaço de aprendizagem com o valioso trabalho daqueles que não se sentem à vontade para compartilhar seus conhecimentos em inglês.

Gonzalo: Bem, os cientistas antes de se tornarem cientistas são pessoas, e são crianças, e a paixão pela descoberta da pesquisa e da inovação é algo que podemos começar muito cedo. Mesmo que nossos países estejam atrasados na alfabetização em inglês, não há razão para ficarmos para trás em tecnologia, programação, alfabetização de dados. O argumento de que um cientista deve saber inglês e portanto não há necessidade de traduzir nada é forte, mas também é excludente para alguém que não seja cientista, e queremos aumentar e defender a alfabetização científica. Tomemos o exemplo das Django Girls: como um homem que trabalha com esse projeto, organizando e orientando, muitas vezes me perguntam por que precisa ser apenas para meninas – ou seja, sexista, ou seja, excludente. Bem, a verdade é que é um “hack” temporário: em um mundo ideal não deveríamos precisar fazer a diferença, mas até chegarmos lá, continuaremos usando e precisando de “hacks”.

Captura de tela da conferência EOSS

A influência da língua inglesa na produção global de ciência aberta, extraído da apresentação de Gonzalo Peña-Castellanos para o encontro EOSS 2021.

Barreiras além da linguagem

Pergunta: Em sua experiência, além da barreira linguística, que outras barreiras existem para o desenvolvimento de comunidades de prática de código aberto e Ciência Aberta na América Latina?

Laura: O poder atual e a assimetria de privilégios entre a América Latina e as regiões de alta renda é a principal barreira. No final, tudo isso se resume a dinheiro ou tempo. Enquanto o status quo muda para desmantelar séculos de injustiça, investir na educação das gerações existentes e novas (começando onde estamos em cada geografia) é a maneira de colocar a América Latina no mapa do código aberto e da ciência aberta. Plantar iniciativas a partir de geografias mais favoráveis na América Latina é um desafio porque não se traduzem bem; frequentemente, o jargão é difícil de explicar ou traduzir. O número de pontos cegos que as pessoas de fora desse território têm é muitas vezes estonteante para a população local. Quando você vive na América Latina, os problemas são óbvios, mas são difíceis de entender quando você não está mais no território. Acho que tudo se resume a como é difícil colocar-se no lugar de outra pessoa. Assim, é fundamental ter pessoas locais com uma história de defesa do bem coletivo nas mesas de tomada de decisão internacionais. Elas terão uma melhor compreensão de quais ideias fazem sentido localmente e quais não fazem. Quanto mais houver um diálogo entre todas as geografias, mais rapidamente todas as barreiras cairão.

Captura de tela da conferência EOSS

Mapa mostrando o tamanho dos países de acordo com o volume de publicações científicas (Web of Science, 2016). Imagem extraída da apresentação de Laura Ación para a reunião EOSS 2021, disponível em https://doi.org/10.5281/zenodo.5646442.

Gonzalo: Em infraestrutura básica, falta de acesso à internet, isso significa acesso estável, confiável e com boa velocidade 24 horas por dia, 7 dias por semana. Acho que há muitos esforços tentando trabalhar em problemas, mas no processo os grupos podem se especializar e não colaborar com outros. Não é possível ter um corpo unificado, mas deve haver algum lugar (virtual/real) onde todas essas iniciativas possam se reunir, trabalhar em conjunto. O modelo de crowdsourcing tem feito maravilhas para muitas coisas - como poderíamos aplicá-lo para aumentar a cooperação entre os pesquisadores? Outra questão que pode ser mais comum em acadêmicos mais experientes é a hesitação em participar de conferências gerais (SciPy), porque não há memórias, não há índice, não há pontos para fazer apresentações lá.

Eventos regionais e o relacionamento com as comunidades internacionais de código aberto mais amplas em R e Python

Pergunta: Ambos organizaram, respectivamente, eventos de R e Python na América Latina. Você acha que a relação com “o resto” do mundo Open Source está como você gostaria que estivesse? Se não, o que poderia ser feito, seja por organizações de Python e R, ou por empresas como Microsoft ou RStudio, para melhor engajar e criar redes globais mais fortes?

Laura: No mundo R, desde 2017, tem havido um aumento considerável da presença na região, particularmente no lado acadêmico, onde o talento latino-americano conseguiu fazer a keynote do useR! 2021 em espanhol com legendas ao vivo em inglês. A useR! também oferece tutoriais em vários idiomas além do inglês. A América Latina está bem representada nos eventos acadêmicos de R. Desde 2021, cruzo os dedos para que, voltando à modalidade presencial ou híbrida, esse nível de inclusão continue - com um resultado duvidoso para o método de dedo cruzado. O que ainda falta é uma boa representação da América Latina (e outras geografias historicamente marginalizadas) nas posições de decisão que impulsionam a comunidade internacional. Ouvi pessoas dizerem que não há candidatos suficientemente bons, com experiência suficiente de R na América Latina para estar em tais mesas. Uma maneira de acabar com essa limitação é mentorar as pessoas uma a uma, de maneira rápida, significativa e acolhedora, e oferecer um caminho claro para integrá-las em breve. Acho que o RConsortium está caminhando nessa direção. Não tenho visto empresas, exceto algumas pessoas isoladas que trabalham para empresas, avançando em direção a uma inclusão significativa da América Latina. As empresas têm as carteiras mais proeminentes, portanto poderiam fazer uma diferença considerável ao patrocinar esforços regionais. Minha impressão é que as empresas muitas vezes parecem considerar que swag, adesivos, bottons, comida, ou oferecer uma sala de reunião para o evento são o suficiente para manter os voluntários engajados e organizar eventos que dão visibilidade a elas. São as campanhas de marketing mais baratas que já vi, às custas dos voluntários. Para uma inclusão significativa, eles precisam mudar de swag para a compensação do tempo dos voluntários. Sei que pode ser muito complicado transferir dinheiro na América Latina; entretanto, esse é o único meio que vejo para uma inclusão significativa.

Gonzalo: As coisas têm melhorado de forma constante, mas o problema com todo o trabalho voluntário é que ele exige muito de você. Um problema recorrente que tenho visto é a falta de reposição geracional, ou seja, conseguir sangue novo e novas faces para contribuir para liderar as comunidades. Podemos ter todo o apoio que quisermos de diferentes empresas no exterior, mas isso não resolve o problema de colocar a população local no comando. Ter posições remuneradas para estes trabalhos de advocacia poderia ser uma opção e as empresas maiores cada vez mais têm esses papéis. Fazer eventos agora é mais fácil, pois há confiança nas comunidades e os patrocinadores continuam voltando. A mentoria também é uma ótima maneira de tentar obter sangue novo, mas leva tempo. É inegável o impacto que o crescimento do Python tem tido nos últimos anos. Tenho minhas diferenças quanto à forma como alguns dos eventos e conferências são realizados, e precisamos encontrar o que funciona para nossos próprios países, mas isso também tem a ver com valores e objetivos.

Imagem divisória abstrata

Vetor criado por freepik - www.freepik.es

Espaços institucionais: do local ao global

Nesta seção, focamos nos espaços onde este trabalho se desenvolve, desde políticas até ambientes acadêmicos e industriais. Cada um desses contextos é bastante diferente em nossos países em relação aos EUA ou à Europa, e teremos mais chances de construir comunidades saudáveis de Código Aberto/Ciência Aberta se engajarmos as culturas de pesquisa acadêmica e desenvolvimento industrial de forma a atender suas necessidades locais.

Imagem divisória abstrata

Vetor criado por freepik - www.freepik.es

Políticas - implementação e obstáculos

Pergunta: Existem políticas públicas para promover o Código Aberto e a Ciência Aberta em seus países ou em outras partes da América Latina? Como essas políticas são implementadas? Vocês podem identificar as maiores dificuldades para levá-las adiante?

Laura: Eu não sei muito sobre políticas públicas nestas áreas. Sei que há falta de incentivos para usar Código Aberto e Ciência Aberta no meio acadêmico em nossos países. Portanto, suspeito que não há muitas políticas sendo aplicadas. Um aspecto significativo é que mesmo os pesquisadores latino-americanos para dados abertos, código e ciência frequentemente expressam suas preocupações sobre a assimetria global em Ciência Aberta. Por exemplo, pode levar anos para coletar dados valiosos de forma simples, com grandes quantidades de trabalho árduo. No momento em que o conjunto de dados é aberto, um laboratório em uma região de alta renda coloca suas dez pessoas altamente qualificadas para analisar os dados e escrever os artigos daquele conjunto de dados. Assim, como muitas das discussões desencadeadas pelo projeto Open Life Science, o atual paradigma de Ciência Aberta tem nele embutidos o poder sistêmico e assimetria de privilégios, o elefante que eu mostro nesta apresentação. A principal barreira é a falta de conversas francas que acabem em ações responsáveis para mudar o paradigma e desmantelar as assimetrias. É claro que esse não é um processo trivial ou rápido, porque os problemas são sistêmicos em nossas sociedades. No entanto, vejo alternativas mais fáceis na democratização das ferramentas através de uma educação acessível. Na América Latina isso significa, entre outros, gratuito, no idioma local, com interesse local, atendendo às necessidades de acessibilidade local. Outra alternativa mais fácil são as métricas. Até que as assimetrias desapareçam, devemos mudar as métricas do sistema. Por exemplo, dando o mesmo reconhecimento em nossos sistemas para coletar e manter dados, escrever e manter código, publicar um artigo, ou organizar comunidades e eventos acolhedores. Essas atividades são cruciais para que a Ciência e o Código Abertos prosperem, mas ainda assim apenas a publicação de artigos conta na academia. Além disso, penso que devemos dar crédito extra se as pessoas fizerem alguma dessas atividades apesar da marginalização sistêmica jogando contra elas. Na América Latina acadêmica, temos décadas de experiência na adaptação de métricas internacionais à nossa região. Por exemplo, indexamos nossos periódicos regionais para melhor avaliar nossos cientistas usando o Scielo. Podemos ensinar outras regiões sem experiência na adaptação de métricas sistêmicas.

Imagem mostrando as assimetrias de poder no sistema

Fonte: https://doi.org/10.1371/journal.pmed.1003604 Imagem extraída da apresentação de Laura Ación para o EOSS Meeting 2021, disponível em https://doi.org/10.5281/zenodo.5646442

Gonzalo: Mesmo antes da pandemia, o governo colombiano começou a tomar medidas para melhorar a alfabetização de dados e tem oferecido vários programas para formar diferentes profissionais com distintas formações (Colômbia 2.0, 3.0 e assim por diante). No entanto, isso parece ser mais voltado para profissionais praticantes e não para acadêmicos e cientistas. O acesso à Internet nas regiões (escândalo recente com os provedores de pontos wifi!). Não há leis que apliquem ou mesmo promovam o uso de tecnologias de código aberto. Vários projetos começaram nos anos 2000, mas foram arquivados ou a intenção inicial foi alterada. Os dados abertos estão se tornando cada vez mais relevantes.

Imagem divisória abstrata

Vetor criado por freepik - www.freepik.es

Academia: do uso à participação e à contribuição

Pergunta: O Código Aberto criou novas e complexas relações entre a academia e a indústria. Gostaria de perguntar-lhes primeiro, como vêem a cultura de Código Aberto e Ciência Aberta e nos círculos acadêmicos de seus países? Estou particularmente curioso sobre a adoção ou não de uma cultura de participação, contribuição e liderança em projetos de Código Aberto e em esforços de Ciência Aberta, não apenas de uso e acesso (embora isso também seja importante).

Laura: Uma estimativa muito grosseira, baseada em ter obtido meu doutorado nos EUA em 2011 e depois fazer a transição para o sistema acadêmico argentino, é que na América Latina somos como os EUA eram uma década atrás em termos de adoção, participação, contribuição e liderança em Ciência Aberta. Comunidades inclusivas que reduzem ao máximo as barreiras ao envolvimento internacional, tais como R-Ladies, PyLadies, Open Life Science ou The Turing Way, ajudam a mudar isso. Mas precisamos de muitas mais. Além disso, as comunidades serão muito mais eficazes se começarem pelas geografias menos favorecidas e chegarem a ter alcance internacional, em vez de começarem em países de alta renda e chegarem a ter alcance global a partir daí.

Gonzalo: A pandemia tem sido tanto uma maldição quanto uma bênção, e nesse aspecto ajudou a impulsionar muitas coisas para o futuro. Em minha experiência pessoal, ter mais colaboradores de código aberto tem sido muito difícil. Temos uma mentalidade de consumidor muito grande no sentido de que consumimos muitas ferramentas de código aberto, mas ainda precisamos dar o salto para contribuir e depois dar o salto para criar. Provavelmente precisamos de mais sprints, rostos mais visíveis e mais incentivos para que as pessoas contribuam. Tenho estado em contato com diferentes professores de minha universidade e alguns deles começaram a trabalhar com ferramentas de código aberto e todos os seus alunos estão agora o usam. Para que possamos realmente progredir, precisamos de incentivos acadêmicos para os estudantes e também para os professores. O custo do software e das ferramentas muitas vezes não é um problema, pois muitas universidades obtêm licenças acadêmicas. Não creio que precisemos necessariamente de mais grupos especializados para acadêmicos, precisamos de mais acadêmicos participando das comunidades já existentes, mas encontramos o problema do generalista/especialista.

Captura de tela da conferência EOSS

Dario Taraborelli resume o dia 2 da reunião EOSS 2021, que teve como foco atuar para ampliar a diversidade, a equidade e a inclusão em Ciência Aberta e Código Aberto. O dia 2 incluiu, entre outras, comunidades como MetaDocencia, Black in IA, oSTEM e Outreachy.

Compromisso industrial com o código aberto na América Latina

Pergunta: Agora estou curioso sobre o lado da indústria. À medida que mais empresas desovam da América Latina e têm um amplo alcance, o que elas poderiam fazer para apoiar contribuições de código aberto - Globant, Mercado Livre, Rappi (para citar algumas)?

Gonzalo: Com o advento da inteligência artificial, da aprendizagem de máquinas e da engenharia de dados e da ciência em geral, muitas dessas empresas têm uma grande necessidade de contratar cientistas para fazer pesquisa aplicada. Por um lado, este é um bom lugar para os doutores migrarem da academia, se é algo que lhes interessa. Por outro lado, essas empresas investem em pesquisa, mas não necessariamente seguem a publicação acadêmica tradicional. Por ainda um outro lado, o modelo de publicação é equivocado (mas isso é um tópico para outro dia).

  • Essas empresas são grandes usuários de tecnologias de código aberto e em alguns casos também são criadoras de software de código aberto. Por mais que ainda estejamos lutando para ter grandes empresas fora da América Latina contribuindo de forma mais significativa para o código aberto, estamos experimentando o mesmo. As empresas em alguns níveis técnicos entendem o valor de contribuir com o código aberto, mas isso precisa subir para os níveis C e gerenciais para que seja feito um verdadeiro compromisso de investir em código aberto.
  • Do lado da indústria e da comunidade, o trabalho feito por vários membros da comunidade, organizadores e líderes de pycons tem permitido a criação de laços muito fortes no patrocínio e na ajuda com eventos. É preciso dar o próximo passo. Precisamos começar a arrancar com os projetos e creio que precisamos vender melhor o porquê.

Pergunta: Como poderiam melhorar os laços entre a academia e essas empresas?

Gonzalo: Sinceramente, me falta informação, mas em alguns casos existe uma colaboração ativa entre as empresas e a academia na qual as teses de mestrado são estudos de caso e desenvolvimento ativos. Isso parece ser mais prevalente entre as universidades privadas e a indústria. Há também o caso dos acadêmicos que saltam para a indústria, pois o meio acadêmico na Colômbia é muitas vezes um caminho difícil de navegar.

  • Deve haver muitas oportunidades para que os estudantes façam estágios em empresas de tecnologia trabalhando e usando software de código aberto.
  • Um ponto de intersecção é o trabalho com as comunidades, então vejo muito valor em direcionar mais acadêmicos para as comunidades de código aberto para que a indústria e a academia possam se encontrar.
  • As empresas provavelmente deveriam investir mais em pesquisa e desenvolvimento.
  • A academia poderia sediar mais eventos nos quais a indústria assumisse um papel ativo, como feiras de ciência e tecnologia.

Pergunta: E como é a situação de “fuga de cérebros da indústria” em seu país? Os acadêmicos têm os recursos e as oportunidades de que precisam, ou estão se aglomerando na indústria após retornarem do exterior com diplomas avançados (ambos vocês são exemplos diferentes disto)?

Laura: Vou começar da última das três perguntas. Trabalhando em Inteligência Artificial (IA), permaneço no meio acadêmico da Argentina apenas porque posso viver sem afetar o sustento de meus filhos com os menos de US$ 1.000,00 por mês que ganho em meu emprego acadêmico permanente de tempo integral. Se eu tivesse que pagar aluguel em Buenos Aires, não conseguiria sobreviver com esse salário. Todas as disciplinas baseadas em dados e computacionais estão sendo abandonadas no meio acadêmico porque os salários acadêmicos não são competitivos. Durante a pandemia, o ensino online tornou a graduação e o ensino de graduação mais acessíveis na Argentina e na região. Estamos vendo mais pessoas interessadas no ensino superior do que nunca. Isso é uma grande notícia, exceto que não está vindo com investimento adicional em educação para pagar por instrutores e é ainda pior para educadores de habilidades computacionais. Em conversas com acadêmicos que recentemente passaram a trabalhar na indústria, aprendi que o único incentivo do setor é a maximização do lucro. Na IA responsável, as mudanças são impulsionadas exclusivamente pelas regulamentações e exigências dos clientes com grandes carteiras. Acredito que para a Ciência e o Código Abertos seja bastante semelhante. Os formuladores de políticas e a agenda pública têm um papel significativo ao pedir às empresas de tecnologia que se juntem aos esforços para tornarem-se abertas. Por outro lado, a academia é conservadora e tende a desconfiar da indústria e das mudanças rápidas. A diminuição das barreiras administrativas para que a indústria colabore com o meio acadêmico ajudaria. Além disso, uma ética puramente altruísta na indústria, sem planos ocultos para maximizar o lucro ou simplesmente lavar a imagem, ajudaria a construir confiança e a impulsionar mudanças. Entretanto, é realista perguntar e esperar que a indústria seja verdadeiramente altruísta? Acho que não.

Gonzalo: Embora eu não faça parte da academia, tenho contato e sigo diferentes acadêmicos em diferentes redes e no decorrer do ano passado vi muitos casos de pessoas que se mudaram para a indústria (por exemplo, para o Mercado Livre). Quando interrompi meu doutorado foi porque não estava satisfeito com o que estava fazendo, mas também durante esse período sempre me perguntei o que faria quando voltasse à Colômbia, pois sempre foi algo que eu queria fazer. Resposta curta: os acadêmicos têm as oportunidades e os recursos de que precisam? A maioria não tem. Não sei se falaria em um rebanho, que parece ser uma tentativa ativa de mudança, mas a realidade é que os doutores têm que procurar diferentes oportunidades e, sendo cientistas, migrar para ser cientista de dados é uma opção. Não que estes doutores não desfrutem de sua nova vida como cientistas de dados, mas muitos desembarcaram lá porque não havia outra escolha. Também vi estudantes de doutorado migrando para a engenharia de software.

Imagem divisória abstrata

Vetor criado por freepik - www.freepik.es

O crescimento da Ciência de Código Aberto como um esforço global

Pergunta: Quais são as formas concretas pelas quais podemos tornar a Ciência e o Código Abertos genuinamente globais?

Laura: Resposta curta: muitos especialistas em Código Aberto e Ciência Aberta na América Latina estão abertos a colaborar. Procure-nos! Vamos conversar!

Uma resposta mais longa:

  • Colaborações poderiam incluir a solicitação de subsídios ou patrocínios conjuntos, contratações para desenvolver materiais de treinamento, serviços de consultoria de especialistas do território, ou avaliar se o que você acha que é inclusivo para os latino-americanos é realmente inclusivo. O mantra das pessoas com deficiência de “nada conosco sem nós” também funciona perfeitamente para os latino-americanos. Ter consultores vivendo no território é crucial porque é fácil esquecer como é o dia-a-dia na América Latina quando nos mudamos para geografias mais favoráveis.
  • Financiar mais incubadoras como a CS&S, que dão acesso a fundos geralmente indisponíveis internacionalmente e fornecem toda a infraestrutura para executá-los.
  • Financiar mais organizações de nivelamento de talentos, como a Open Life Science ou a MetaDocencia. Necessitamos mais programas de capacitação que ensinem liderança aberta, construção de comunidades e como trabalhar abertamente em Ciência Aberta.
  • Pagar pelo tempo usado pela população local para aprender sobre o estado da arte em Ciência Aberta e Código Aberto. Tornar esses materiais de aprendizagem acessíveis, disponibilizando-os em idiomas locais.
  • Se você for super-representado, dê espaço oferecendo seu lugar nas mesas de decisão para pessoas historicamente marginalizadas. Você também pode condicionar sua participação a que pessoas marginalizadas que se juntem e fiquem à mesa. Se você for super-representado, peça para mentorar as pessoas marginalizadas nessas posições, de modo que lhe sigam.
  • Defenda, de modo que as métricas para incorporar as pessoas nos espaços de tomada de decisão se ajustem bem às realidades marginalizadas. Uma excelente fonte para repensar as métricas é o trabalho de Rowland Mosbergen que propõe abordagens quantitativas para a equidade intersetorial.
  • Ao informar e mudar suas métricas, pergunte às pessoas marginalizadas como fazê-o e pague-lhes pelo seu tempo.
  • Não assuma que as pessoas marginalizadas trabalharão de graça. Além disso, esteja ciente de que eles podem aceitar trabalhar de graça por causa da escassez de oportunidades que lhes são oferecidas. No entanto, isso rapidamente leva à exploração devido a assimetrias de poder e privilégios.
  • Comece a tratar as pessoas marginalizadas que você convida para seu trabalho como se tratasse um ganhador do Prêmio Nobel em sua área. Sempre assuma que você tem muito a aprender com os outros.
  • Por último, mas não menos importante, se você quiser ter uma audiência global diversificada em seu evento, diminua a barreira econômica. Sempre ofereça uma opção de ingresso gratuito, sem perguntas. Será mais trabalho para os organizadores, porque você pode esperar uma taxa de 70% de não-comparecimento para eventos gratuitos. Evite ao máximo os processos de reembolso ou pedidos de isenção ou bolsas. Isso coloca trabalho extra sobre os ombros daqueles cujo tempo já foi historicamente mais desperdiçado.

Gonzalo: Resposta curta: é difícil.

Uma resposta mais longa:

  • Para programas de educação tradicional, precisamos que TODOS os currículos incluam uma introdução à programação. Assim como o inglês é uma necessidade, a alfabetização em programação também o é.
  • Precisamos de educação bilíngue desde a escola primária até o nível mais alto.
  • Precisamos de cobertura completa de infraestrutura.
  • Precisamos que os órgãos de financiamento também financiem a pesquisa dedicada à criação de software como objetivo principal.
  • Poderíamos pedir aos mandatos governamentais para reforçar, promover e incentivar o uso de ferramentas de código aberto em todos os níveis organizacionais.
  • Precisamos unificar esforços em todo o continente, não apenas colaborando na pesquisa e nos pedidos de bolsas, mas também a nível comunitário.
  • Até atingirmos a alfabetização completa em inglês, precisamos tornar a ciência local, e há aí muito espaço para defensores da ciência.
  • Antes de tornar as coisas globais, precisamos torná-las locais.

Imagem divisória abstrata

Vetor criado por freepik - www.freepik.es

Uma reflexão final: criando ferramentas e conhecimento para nossas necessidades

Nosso mundo é altamente interconectado, mas enquanto um tweet pode ser lido instantaneamente em todo o planeta, o envolvimento ativo na criação da infraestrutura computacional que sustenta a ciência permanece desigualmente distribuído. Países como o nosso são às vezes limitados por uma visão estreita da ciência, onde perseguir métricas clássicas de prestígio acadêmico (como publicações em revistas de alto nível) é super-otimizado.

Em nossa opinião, a promessa-chave da Ciência de Código Aberto não é o acesso gratuito a ferramentas ou conhecimento, mas que a participação no processo criativo seja aberta a todos. E enquanto os princípios básicos da descoberta científica transcendem as fronteiras, o contexto local é crítico quando se trata de compreender verdadeiramente o mundo em que vivemos. Nossos países enfrentam desafios nos quais as ferramentas da ciência global são de vital importância, mas precisamos dessas ferramentas para representar adequadamente nossa realidade. Desde modelos climáticos que determinam corretamente a topografia local até bases de dados biológicos e biomédicos com representação adequada, em todas as áreas precisamos de conhecimento científico que responda ao nosso contexto específico.

Podemos criar esse conhecimento se tivermos a mesma atuação para moldar as ferramentas da própria ciência. Esperamos que as notas destes posts contribuam com uma conversa para fazer da ciência de código aberto um esforço mais global, aberto a todos.

Imagem divisória abstrata

Vetor criado por freepik - www.freepik.es

Autores

Laura Ación

Laura Ación é pesquisadora no Conselho Nacional de Pesquisa da Argentina, onde lidera um co-laboratório multidisciplinar de inteligência artificial e ciência de dados. Com doutorado em bioestatística pela Universidade de Iowa (EUA), trabalha em tópicos que vão desde a desidentificação de registros eletrônicos de saúde até o uso de aprendizagem de máquina para o desenho de nanopartículas, e vários outros projetos relacionados a vícios. Seu grupo advoga pelo uso responsável de dados, incluindo ciência aberta e reprodutibilidade em suas pesquisas, também treinando a próxima geração de cientistas para essas práticas. Laura foi instrutora e treinadora do projeto The Carpentries e co-fundou a MetaDocencia, uma organização de língua espanhola inspirada no Carpentries. Ela também é líder comunitária, tendo sido co-fundadora dos projetos R-Ladies Buenos Aires, R en Buenos Aires e LatinR, uma conferência latino-americana de R. Laura foi a primeira não fundadora promovida à equipe de liderança global da R-Ladies e esteve envolvida na organização do useR!

Contato: website, twitter.

Afiliação: MetaDocencia e Instituto de Cálculo - UBA - CONICET, Buenos Aires, Argentina.

Gonzalo Peña-Castellanos

Gonzalo Peña-Castellanos é um engenheiro civil colombiano com mestrados em Hidroinformática e Engenharia Sanitária. Tendo trabalhado inicialmente com previsão de inundações em tempo real e downscaling de modelos de circulação geral/global para aplicações urbanas, ele descobriu uma paixão pelo desenvolvimento de software e pela ciência de dados que o levou a colaborar em diferentes projetos de código aberto e a eventualmente se juntar à Anaconda e atualmente à Quansight como Engenheiro Sênior de Software. Hoje, é desenvolvedor core do JupyterLab, trabalhando em localização e internacionalização, e colaborador principal do projeto napari, com experiência em desenvolvimento desktop, frontend e backend. Gonzalo é um membro ativo da comunidade de código aberto, contribuindo com diferentes projetos como parte do grupo de trabalho de subsídios da Fundação Python Software e líder da comunidade Python Colombia, ajudando a formar e organizar comunidades como Django Girls Colombia, Python Bucaramanga, conferências nacionais e latino-americanas de Python, PyCon Colombia e SciPy Latam e, mais recentemente, a comunidade Python en Español.

Contato: gpena@quansight.com, perfil en LinkedIn.

Afiliação: Quansight, Bogotá, Colombia.

Fernando Pérez

Fernando Pérez é professor associado de estatística na UC Berkeley e cientista no Lawrence Berkeley National Laboratory (LBNL). Constrói ferramentas de código aberto para que os humanos usem computadores como companheiros de pensamento e colaboração, principalmente no ecossistema de Python científico (IPython, Jupyter e amigos). Físico computacional de formação, seus interesses de pesquisa incluem questões sobre o nexo entre software e geociências, procurando construir o ecossistema computacional e de dados para enfrentar problemas como a mudança climática com práticas científicas colaborativas, abertas, reprodutíveis e extensíveis. Fernando foi co-fundador e co-dirige o Centro Eric e Wendy Schmidt de Ciência de Dados e Meio Ambiente em Berkeley (DS4E). Ele é co-fundador do Projeto Jupyter, da iniciativa 2i2c.org, do Instituto Berkeley de Ciência de Dados e da Fundação NumFOCUS. Recebeu o prêmio 2017 ACM Software System Award e o 2012 FSF Award for the Advancement of Free Software.

Contato: fernando.perez@berkeley.edu, @fperez_org.

Afiliação: UC Berkeley, Lawrence Berkeley National Laboratory, Project Jupyter, 2i2c.org.

Siguiente
Anterior

Relacionado